CRÍTICA: ALICE, numa versão punk rock, revela uma nova geração de atores que está se formando no ES

por MARCELO FERREIRA

Uma boa surpresa nesse fim de ano, a montagem por alunos do segundo período de Artes Cênicas da UVV, dirigida pela professora, Rejane Arruda, também atriz de teatro e cinema, atual coordenadora do Curso. Trata-se de uma releitura do clássico de Lewis Carroll, publicada em 1865 na Inglaterra.

O pequeno palco do Teatro Municipal de Vila Velha foi ampliado com a inclusão de cenas que aconteciam no meio do público, fazendo os atores circularem pelo lado de fora do teatro e aparecerem novamente no palco. O público é envolvido sensorialmente nessa montagem de ritmo intenso e de uma energia própria dos alunos/atores tão novos.



Cenas do espetáculo "Alice". Fotos de Laís Pimentel.

As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, frequentemente abreviado para Alice in Wonderland (Alice no País das Maravilhas) é a obra infantil mais conhecida de Charles Lutwidge Dodgson, publicada a 4 de julho de 1865 sob o pseudônimo de Lewis Carroll. É uma das obras mais célebres do gênero literário nonsense. O livro conta a história da menina Alice que cai numa toca de coelho e é transportada para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas, revelando uma lógica do absurdo,  característica dos sonhos. Este está repleto de alusões satíricas dirigidas tanto aos amigos como aos inimigos de Carroll, de paródias a poemas populares infantis ingleses ensinados no século XIX e também de referências linguísticas e matemáticas frequentemente através de enigmas que contribuíram para a sua popularidade. É assim uma obra de difícil interpretação, pois contém dois livros num só texto: um para crianças e outro para adultos.

“Alice...” pode ser interpretada de várias maneiras. Uma das interpretações diz que a história representa a adolescência, com uma entrada súbita e inesperada (a queda na toca do coelho, iniciando a aventura), além das diversas mudanças de tamanho e a confusão que isso causa em Alice, ao ponto de ela dizer que não sabe mais quem é após tantas transformações (o que se identifica com a psicologia adolescente). Este livro possui uma continuação Alice do Outro Lado do Espelho.

Na versão de Rejane Arruda, resultado de trabalho colaborativo com os alunos, Alice aparece multiplicada nas primeiras cenas em várias outras Alices, destacando a movimentação marcada como numa coreografia. Cenários em miniatura, projeção de imagens em vídeo sobre uma superfície que não uma tela, mas um objeto de arte de formato irregular estendido no fundo do palco, figurinos com destaque para as cores preta e vermelha, adereços mínimos que caracterizam os personagens, como narizes gigantes, gaiola na cabeça, numa alusão à obra de René Magritte, e cadeiras usadas para compor a cenografia, que se completa com o palco forrado de pó de serra, revelam a contemporaneidade da encenação. Um microfone fica instalado no palco e serve para uma das Alices fazer seus discursos.

Identificada por capítulos, as cenas acontecem num tempo alucinante que surpreende o público a todo o momento com a invasão de personagens estranhos vindos de todo lado da plateia. A rainha, careca, feita por um homem usando vestido vermelho longo de tafetá, confere mais uma característica à montagem, a presença do “trans” na constituição de gênero de alguns personagens, como a Duquesa, por exemplo. A entrada da Rainha em cena se dá com o acompanhamento de uma bandinha, que nos remete ao bom teatro de rua com seu apelo popular.  Na trilha, destaque para Marilyn Manson, cantor punk rock americano que faz com que a cena se torne uma anarquia, uma festa, um show de rock.

Grupo grande, de mais de 30 atores em cena, tarefa difícil para uma encenação com elenco jovem, que Rejane articula com maestria e vivacidade. Um problema da montagem é a dificuldade de se ouvir alguns textos, o que levará o elenco a um estudo mais aprofundado dos recursos vocais, mas que não compromete o resultado e nos apresenta uma novíssima geração para o teatro capixaba que vem se formando via Universidade de Vila Velha.

Vida longa para Alice! Viva o teatro!

Marcelo Ferreira
Diretor, Ator, Bailarino da Cia Teatro Urgente.
Mestrando em Artes/UFES

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